Nem tinha tanta gente na plataforma da Estação Luz, porém na hora que o trem – sentido Estudantes abriu a porta, dois homens se estranharam logo na entrada. Beiravam os 45 anos de idade: um calvo de camiseta branca e o outro magro com roupa de esportista azul marinho.
Houve um rápido bate boca, olhares ameaçadores e aquela parada dramática que dá impressão que um dos dois vai partir pra cima. Apaziguou.
Cada um sentou em um banco. Ficaram separados mais ou menos por uns 10 metros de distância. Apenas o calvo, ainda com a feição raivosa, conseguia ver o esportista, de costas.
A viagem prosseguiu sem grandes novidades. O trem veio ligeiro e quando saiu de Ferraz de Vasconcelos, o sujeito calvo levantou-se e caminhou em direção ao esportista. Ele não ia descer naquele momento porque a composição ainda estava relativamente longe da próxima estação. Eu pensei: “Vai acontecer algo”
E aconteceu: o homem de branco, num movimento suave, bateu nas costas do de roupa mais escura, que estava sentado, falou algo baixinho levando a mão esquerda (com leves tapinhas de carinho) à nuca do esportista que por sua vez fez o mesmo com a mão direita (tapinhas de carinho). O reencontro durou uns 15 segundos. O de branco falou mais. O outro falou menos. Creio que ali aconteceu um pedido de desculpas, uma reconciliação, um ajuste.
O sujeito calvo então retornou e, em vez de seguir para o seu lugar, ficou perto de uma das portas do vagão. O sistema de comunicação do trem anunciou: “Proxima estação, Poá”. Não costumo (aliás, nunca faço isso) interferir nas situações das quais tenho mania de observar, mas não me contive: “Parabéns pela sua atitude”, disse ao calvo. E ele respondeu: “Não ia conseguir ir para a igreja amanhã. Não ficaria em paz”. A porta abriu, ele andou rápido e sumiu naquele cenário metropolitano.
Fiquei um tempo pensando naquilo. Aliás, um longo tempo. Fui testemunha de um pedido de perdão de alguém que realmente se arrependeu de algo.